quinta-feira, 22 de janeiro de 2015



BACALHAUS COM NOMES CURIOSOS 


Por J. A. Dias Lopes 

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Algumas pessoas acharam graça do nome do antepasto ou entrada de origem portuguesa que foi tema da crônica anterior: punheta de bacalhau. Outras prepararam a receita e disseram que ficou saborosa. Mas também não seguraram o riso. Entretanto, punheta de bacalhau não é o único nome curioso dado pelos portugueses a um prato feito com o peixe das águas frias do mar Atlântico Norte, no Círculo Polar Ártico, e a seguir salgado e desidratado. 

Eles também inventaram o bacalhau constipado. Assam postas do peixe nas brasas e finalizam com molho de azeite quente, vinagre e colorau. Acompanham batatas cozidas em rodelas. O nome viria do processo de preparo. Cada vez que as postas viram na grelha, são passadas em água fria, portanto recebem um choque térmico. Se o golpe fosse dado em um ser humano, provocaria constipação nasal. 

Outra receita de nome intrigante é o bacalhau à cobra, que não incorpora o temido ofídio venenoso ou não. Leva apenas o peixe do Atlântico Norte, cortado em quadrados, marinado no leite, empanado, frito no azeite e regado com molho de vinho do Porto. De onde veio o nome? Talvez de alguma cozinheira de má índole ou mau gênio... 

Brincadeiras à parte, há também o bacalhau à nabão, mais fácil de explicar. O nome não se refere a nenhum legume gigante, nem foi dado por alguém que estava em uma grande naba, ou seja, com uma enorme dívida financeira ou considerável prejuízo. Nabão é um afluente do Zêzere, rio que passa em Tomar. A receita surgiu na cidade ou na região. O bacalhau é cozido, desfiado em lascas e vai à mesa com molho de manteiga, leite, farinha de trigo e gemas. 

Um prato de nome intrigante e sucesso mais ou menos recente é o bacalhau à bruxa de Valpaços. Foi criado por uma mulher da cidade homônima, em Alto Trás-os-Montes. Chamava-se Maria, viveu entre os séculos 19 e 20, sofria de problemas mentais. Acabou internada com a fama de bruxa louca. A biblioteca de Valpaços guarda o diário manuscrito no qual ela escreveu a receita. O bacalhau à bruxa de Valpaços é montado em camadas, com cebola, batata, toucinho e temperos, regado com azeite e levado ao fogo em panela de barro. 

Existe ainda o bacalhau à João do Buraco, inventado pelo dono de um antigo restaurante do Porto que tinha esse nome. Hoje, é especialidade não só da Capital do Norte de Portugal, mas de todo o Douro Litoral. Uma versão, sem comprovação histórica, diz que o sobrenome Buraco veio da aldeia simples ou da casa onde ele tinha vivido. 

Na receita que inventou, o bacalhau é fervido, cortado em lascas e reservado. A seguir, refoga-se cebolas no azeite e se faz um molho consistente à base de manteiga derretida, leite, farinha de trigo e gemas. A seguir, prepara-se novamente à parte um purê de batatas com manteiga e leite, adicionando-se claras em neve. Finalmente, o prato é dourado no forno, com o bacalhau montado em camadas. Intercala-se o peixe do Atlântico Norte, o refogado de cebolas, a salsinha, a pimenta, as amêijoas, os camarões, o molho e o purê. 

A alma, considerada princípio da vida, também serve de inspiração aos portugueses, como mostra o bacalhau espiritual. Em seu preparo, o peixe do Atlântico Norte é cortado em lascas, refogado e vai ao forno com camadas de pão de forma e bechamel. Os fãs garantem entrar em êxtase ao saboreá-lo – daí o nome místico. Foi criado em fins da década de 1940 no restaurante Cozinha Velha, nas antigas cozinhas do Palácio de Queluz, pela sua concessionária, a condessa Almeida Araújo. Ela se inspirou na receita de brandade de morue, da cozinha francesa. 

Por último, há o bacalhau nunca chega. O rei português dom Carlos (1863-1908) apareceu de surpresa a um dos seus palácios, vindo de uma caçada. Na despensa, porém, havia pouca coisa. Então o cozinheiro improvisou: pegou uma posta de bacalhau, cozinhou-a no leite, desfiou, dourou no azeite com cebola, presunto cru em tiras, salsinha, batata palha e ovo cru ligeiramente batido. 

Dom Carlos gostou tanto que repetiu várias vezes. Daí por que o prato foi batizado de nunca chega. Entretanto, o nome da receita soa nos ouvido de muitos como redundante e poderia ser dado a todas as que levam o peixe. Para os milhares de apreciadores de bacalhau, ele invariavelmente nunca chega. 


Aprenda a preparar o bacalhau nunca chega em RECEITAS DAS CRÔNICAS

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