quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015


TOMIE OHTAKE E O SUSHI

Por J. A. Dias Lopes


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Todos os domingos, Tomie Ohtake, a maior pintora do Brasil, dava um almoço em sua casa no bairro do Campo Belo, em São Paulo. Chamava os dois filhos arquitetos, Ruy e Ricardo, suas mulheres, os dois netos e uma ou duas pessoas que não eram da família. Há menos de dois anos fui um desses privilegiados – e estava na fila para ser convidado outra vez. Ruy, meu amigo há anos, havia prometido a deferência. Infelizmente, isso não vai acontecer. Tomie Ohtake faleceu hoje, 12 de fevereiro, aos 101 anos de idade.


Antes do almoço, ela oferecia aperitivos no ateliê, localizado em sua própria casa. Eram os otsumami – conjunto de petiscos japoneses. Ali as pessoas entabulavam conversas e se preparavam para ao almoço, na sala de jantar ao lado. As receitas que iam à mesa, então, mudavam de nacionalidade. Eram sobretudo brasileiras – Tomie apreciava a cozinha baiana. Eventualmente, havia algum prato japonês. No dia em que almocei em sua casa, o sushiman Jun Sakamoto apareceu com uma travessa de sushis, paixão gastronômica da anfitriã. 


Estive com Tomie uma segunda vez, mas a trabalho. Fui fazer uma reportagem para a Revista GOSTO, de São Paulo. Tínhamos uma seção chamada Gosto de Arte. Convidávamos um artista plástico e um cozinheiro. Este interpretava na sua especialidade um quadro do artista. Tomie Ohtake e Jun Sakamoto formaram a dupla da vez. Claro, o sushiman só fez sushi... Para quem não sabe, essa iguaria japonesa tem como base arroz temperado com vinagre de arroz, açúcar e sal, ao qual são incorporados peixes ou frutos do mar crus ou cozidos, verduras frescas ou em conservas e omelete.


Tomie Ohtake sentada ao lado de Jun Sakamoto; em pé, da esquerda para a direita, Ruy Ohtake, J. A. Dias Lopes e Ricardo Ohtake


Tomie aprendeu a gostar de sushi na infância, como todos os seus patrícios. Mas passou por uma experiência diferenciada. Quando tinha 5 anos de idade, adoeceu gravemente. Sua mãe chamou o médico, ele diagnosticou pneumonia e submeteu a garota a uma dieta severa. Naquele tempo, não havia a penicilina, só descoberta em 1928. Uma semana depois, a febre não cedia e o médico concluiu que Tomie ia morrer.


Então, chamou a mãe e mandou suspender a dieta. Tomie lembrava o que aconteceu depois: “Minha mãe perguntou o que eu queria comer e respondi: sushi. Comi um pouquinho e no dia seguinte já estava melhor. Assim fui melhorando até me curar”. Qual o sushi que Tomie pedia ultimamente? “O do Jun, que é o melhor de São Paulo”, afirmava. “Outros fazem um bolinho de arroz, colocam um peixe em cima e o deixam grande demais. A gente precisa cortar ao meio para levar à boca. Prefiro saborear o sushi de uma vez só, de uma bocada. Os japoneses chamam isso de hitokuchi.”


Nascida em Quioto, capital do Japão Imperial, substituída por Tóquio, ela desembarcou na cidade de São Paulo em 1936, para visitar um irmão, mas aqui ficou para sempre. Impedida de regressar pela deflagração da Guerra Sino-Japonesa de 1937, casou-se no Brasil, teve os filhos, desenvolveu-se na pintura, depois na escultura, e ficou para sempre. Só voltou a passeio, uma das vezes para ver a mãe morrer nos seus braços. Estrela-guia do abstracionismo brasileiro, Tomie era merecidamente a mais aplaudida artista plástica em atividade no país. 


As grandes manchas coloridas das suas telas, serigrafias e painéis, as variações dos tons, suaves ou contrastantes, a geometria tridimensional das suas esculturas, avalizam um talento, uma inspiração e um domínio da técnica que já foi comparada à exegese. Nada mais certo. A genial artista plástica fazia com a cor, a luz e o espaço o mesmo que os teólogos com a Bíblia. Sayonara, Tomie!

























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