quinta-feira, 25 de dezembro de 2014



MARCO POLO E O MACARRÃO

Por J. A. Dias Lopes

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A série milionária do serviço de vídeos on-line Netflix, em dez episódios, sobre o explorador e mercador veneziano Marco Polo (1254-1324), que estreou mundialmente no dia 12 de dezembro de 2014, fez-nos lembrar que já se atribuiu ao maior viajante da Idade Média a introdução do macarrão (pasta seca) na Itália. 


Edição original da obra de Marco Polo

A fonte dessa versão seria o Libro delle meraviglie del mondo, conhecido por Il Milione, que ele ditou ao amigo e literato Rustichello da Pisa. Escrito originalmente em franco-veneziano, trata da viagem que Marco Polo empreendeu ao Extremo Oriente, entre 1271 e 1295, acompanhado do pai Niccolò e do tio Matteo.

O aventureiro zarpou de Veneza aos 17 anos, para uma expedição monumental através de mares pouco navegados, montanhas abruptas, plainos sem fim ou desertos inóspitos, regiões de sol abrasador ou temperaturas enregelantes, terras virgens ou cultivadas. Regressando à terra natal, 24 anos depois, lutou ao lado dos compatriotas na guerra contra a República de Gênova e caiu prisioneiro do inimigo em 1298, durante a batalha naval de Curzola. No cárcere, ditou ao colega de cela Rustichello da Pisa seu livro memorável. 

Partindo de Veneza, atravessou os planaltos da Anatólia, no Irã, o Alto Afeganistão, o Pamir e o Turquestão chinês, para alcançar Beijing ou Pequim, onde teria exercido certa influência junto a Kublai Khan, o imperador mongol da China; na volta, percorreu a Indochina, Indonésia, Ceilão e costa da Índia. Il Milione menciona todos esses lugares e inclusive alguns não visitados por ele, como o arquipélago do Japão, chamado de Cipango, as costas da Arábia, a Etiópia e o litoral africano até Zanzibar. 


O explorador e mercador veneziano Marco Polo (1254-1324)

Marco Polo voltou à terra natal com riquezas, tecidos e especiarias de valor na época. Inicialmente, seus patrícios acharam as histórias exageradas. Entretanto, depois de confirmarem algumas delas, atribuíram ao explorador contribuições notáveis. Disseram que ele trouxe da China informações sobre a pólvora, o compasso marinho, a máquina impressora, o sorvete e, sobretudo, o macarrão, do qual foi considerado por muito tempo o introdutor na Itália. A última história é seguramente fantasiosa. 

Em torno do ano 1000, portanto dois séculos e meio antes da viagem de Marco Polo, o livro De arte coquinaria per vermicelli e maccaroni siciliani, escrito por Martino Corno, cozinheiro do patriarca de Aquiléia, no noroeste italiano, publicou a primeira receita conhecida de macarrão.

No século 12 já funcionava nas vizinhanças de Palermo, hoje capital da Sicília, uma indústria de pasta, na época chamada de itrija (palavra derivada do árabe itriyah, pão cortado em tiras). Em outra obra, de 1154, Il libro di chi si diletta a girare il mondo, do geógrafo de origem árabe Al-Idrisi, que atuava na Sicília, fala-se de uma localidade chamada Trabia, cuja população fazia e exportava macarrão. 

Tais informações levaram à certeza de que, em vez de ter sido trazida por Marco Polo, a pasta seca desembarcou na Itália pelo sul, com os árabes, quando ocuparam a Sicília no século 9. Os invasores precisaram desidratá-la para carregá-la nas longas travessias pelo deserto e viagens ao exterior, garantindo uma alimentação saborosa e nutritiva. Conheceram o macarrão na Mesopotâmia, que por sua vez o recebeu, por caminhos tortuosos, da China. Em 2005, fechou-se o cerco.

Pesquisadores do Instituto de Geologia e Geofísica da Academia de Ciências de Pequim encontraram nas ruínas de Lajia, junto ao Rio Amarelo, um recipiente contendo fios de massa cilíndricos, à base de milhete (planta herbácea de origem asiática), feitos 4 mil anos atrás. Conclusão: até prova em contrário, os chineses são os pais do macarrão. 

Mas os italianos não se entregam. Ultimamente, renunciam à versão que envolve Marco Polo, porém minimizam as contribuições dos árabes e chineses. A tendência dos seus historiadores gastronômicos é considerar que, como o pão e outras jóias da culinária mundial, a pasta seria um alimento de criação espontânea e coletiva, surgida ao mesmo tempo entre vários povos, como resultado da descoberta dos cereais, de seu cultivo e destino alimentar.

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