A
COXINHA CAMPEÃ
Por J. A. Dias Lopes
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O Datafolha divulgou no último dia 8 de
novembro uma pesquisa que referendou algo já suspeitado: a coxinha de galinha
ou frango (ultimamente se faz até de pato) é o petisco favorito dos
paulistanos, pois 34% a preferem. Bate em popularidade a empadinha, o bolinho
de bacalhau, o quibe, o pastel e a esfirra. Encontra-se o petisco pelo Brasil
afora. No Rio de Janeiro, é famosa a coxinha da Confeitaria Colombo, que a prepara ininterruptamente há 120 anos, ou seja,
desde a inauguração. Mas foi em São Paulo que ela
virou estrela principal dos botequins, bares, padarias, confeitarias, lanchonetes,
buffets de festas e, ultimamente, até do couvert de restaurantes.
As especulações sobre a sua origem são
contraditórias. A enciclopédia livre Wikipédia,
por exemplo, informa que ela surgiu no século 19, na região da Grande São
Paulo. Teria sido “desenvolvida durante a industrialização de São Paulo, para
ser comercializada como um substituto mais barato e mais durável das
tradicionais coxas de galinha que eram vendidas nas portas de fábricas”. Essa
hipótese, porém, carece de prova histórica.
Outros sustentam que a receita surgiu na
cidade de Limeira, no interior paulista. Um dos filhos da princesa d. Isabel (1846-1921)
teria vivido em uma fazenda dali, no final do século 19. Era deficiente mental
e por isso a mãe e o pai, o conde d’Eu (1842-1922), deixaram-no aos cuidados de
uma família amiga. “Escondiam o rapaz dos olhares da corte”, contam os
limeirenses.
Enjoado à mesa, ele só comia coxas fritas
de galinha. Um dia, a cozinheira da fazenda, dispondo apenas de uma galinha ou
frango, desfiou toda a carne da ave, dividiu em porções, envolveu em massa,
moldou no formato de pera e fritou. O rapaz adorou! Sua mãe “desnaturada” teria
aprovado a novidade quando visitou Limeira em 1886.
A versão foi difundida por Maria Nadir
Galante Cavazin, no simpático livro Histórias
e Receitas- Sabor, Tradição, Arte, Vida e Magia (Sociedade Pró-Memória de
Limeira, 2000). Não procede. Todos os filhos da princesa d. Isabel (Pedro de
Alcântara, Luís Maria e Antônio Gastão) moravam com ela no atual Palácio
Guanabara, do Rio de Janeiro, e nenhum apresentava problemas de saúde mental ou
física. Além disso, ela provavelmente conhecesse a coxinha desde a infância.
O conde d'Eu e a princesa d.Isabel com os três filhos: todos eram saudáveis
Teoricamente, o petisco desembarcou no
Brasil em 1808, quando a trisavó da princesa d. Isabel, a rainha d. Maria I
(1734-1816), e seu bisavô, o então príncipe regente d. João (1767-1826),
fugindo das tropas de Napoleão Bonaparte, instalaram o governo lusitano no
Brasil. Segundo o chef Laurent Suaudeau, de São Paulo, um estudioso da história
da gastronomia, “a origem da receita é claramente francesa”. Ele faz a
afirmação apoiado na obra de Antonin Carême (1784-1833), considerado o maior
cozinheiro de todos os tempos.
A receita original da coxinha se encontra
nas páginas 268, 269 e 270 do livro L’Art
de la Cuisine Française au XIXº Siécle – Traité des Entrées Chaudes (Dentu,
Librairie, Palais Royal, Galerie d’Orleans, Paris, 1844), com o nome de
“croquette de poulet” (croquete de frango). Carême aconselha moldá-lo “em forme
de poires” (no formato de peras). “Obviamente, a receita foi modificada no
Brasil”, diz Laurent. “Mas, do ponto de vista técnico, é a mesma”.
Desse modo, a coxinha chegou ao Rio de
Janeiro via Lisboa, onde estreou na corte de d. Maria I (1734-1816), a rainha
que lá é conhecida como “a Piedosa” e aqui, como a vimos descer demente da nau
Príncipe Real, por “a Louca”. Pode ter sido introduzida em solo
lusitano pelo chef de cozinha da rainha, o francês Lucas Rigaud. Ele divulgou a
receita da coxinha no livro Cozinheiro Moderno ou Nova Arte de Cozinha,
lançado em Lisboa no ano de 1870 e reeditado em 1999 pela Colares Editora, de
Sintra, Portugal.
Nas páginas 107 e 108 dessa última edição,
Rigaud ensina a fazer “coxas de frangas ou galinhas novas”. Manda desossar dez
ou doze, conservando a pele, e rechear com um “picado fino”. Depois, mergulha-as
no béchamel (molho branco) ligado com gemas. Fecha-as com barbante, passa em
ovos batidos, pão ralado fino e frita em banha. Alguma dúvida? A coxinha é uma
brasileira nascida na França.
O livro de Lucas Rigaud, lançado em Lisboa no ano de 1870, tinha receita de “coxas de frangas ou galinhas novas”
O dramaturgo e ensaísta Guilherme
Figueiredo, no capítulo As aves que aqui
gorjeiam, do livro Comidas, meu
santo! (Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1964), já sabia
disso: “Quanto à coxinha de galinha, esta sim é seguramente de origem francesa.
Hoje, carioquíssima”. E completou com uma tirada maliciosa: “A melhor é a tostada ao sol, em Copacabana”.
Quem faz a
melhor coxinha no Rio de Janeiro? A veterana Confeitaria Colombo?, que oferece
a comum, a creme e a Villeroy, ou a rede Viena? E em São Paulo? O restaurante
Attimo, o Bar Número, o Bar do Luiz, a churrascaria Dinho’s Place, os bares
Veloso, Luiz e Frangó, as confeitarias Dulca, Di Cunto e Ofner? Ou seria a
Padaria Real, de Sorocaba, a 96
quilômetros da capital, cujo salgadinho mais famoso tem crosta crocante, massa
leve e recheio apenas de frango desfiado, com tempero de cheiro verde e sal? Impossível
chegar a um consenso.
Aprenda a preparar as coxinhas comum, creme e
Villeroy, da Confeitaria Colombo, no Rio de Janeiro, em RECEITAS DAS CRÔNICAS.
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