segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A COXINHA CAMPEÃ


Por J. A. Dias Lopes


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      O Datafolha divulgou no último dia 8 de novembro uma pesquisa que referendou algo já suspeitado: a coxinha de galinha ou frango (ultimamente se faz até de pato) é o petisco favorito dos paulistanos, pois 34% a preferem. Bate em popularidade a empadinha, o bolinho de bacalhau, o quibe, o pastel e a esfirra. Encontra-se o petisco pelo Brasil afora. No Rio de Janeiro, é famosa a coxinha da Confeitaria Colombo, que a prepara ininterruptamente há 120 anos, ou seja, desde a inauguração. Mas foi em São Paulo que ela virou estrela principal dos botequins, bares, padarias, confeitarias, lanchonetes, buffets de festas e, ultimamente, até do couvert de restaurantes.
      As especulações sobre a sua origem são contraditórias. A enciclopédia livre Wikipédia, por exemplo, informa que ela surgiu no século 19, na região da Grande São Paulo. Teria sido “desenvolvida durante a industrialização de São Paulo, para ser comercializada como um substituto mais barato e mais durável das tradicionais coxas de galinha que eram vendidas nas portas de fábricas”. Essa hipótese, porém, carece de prova histórica.
      Outros sustentam que a receita surgiu na cidade de Limeira, no interior paulista. Um dos filhos da princesa d. Isabel (1846-1921) teria vivido em uma fazenda dali, no final do século 19. Era deficiente mental e por isso a mãe e o pai, o conde d’Eu (1842-1922), deixaram-no aos cuidados de uma família amiga. “Escondiam o rapaz dos olhares da corte”, contam os limeirenses.
      Enjoado à mesa, ele só comia coxas fritas de galinha. Um dia, a cozinheira da fazenda, dispondo apenas de uma galinha ou frango, desfiou toda a carne da ave, dividiu em porções, envolveu em massa, moldou no formato de pera e fritou. O rapaz adorou! Sua mãe “desnaturada” teria aprovado a novidade quando visitou Limeira em 1886.
      A versão foi difundida por Maria Nadir Galante Cavazin, no simpático livro Histórias e Receitas- Sabor, Tradição, Arte, Vida e Magia (Sociedade Pró-Memória de Limeira, 2000). Não procede. Todos os filhos da princesa d. Isabel (Pedro de Alcântara, Luís Maria e Antônio Gastão) moravam com ela no atual Palácio Guanabara, do Rio de Janeiro, e nenhum apresentava problemas de saúde mental ou física. Além disso, ela provavelmente conhecesse a coxinha desde a infância.


O conde d'Eu e a princesa d.Isabel com os três filhos: todos eram saudáveis

      Teoricamente, o petisco desembarcou no Brasil em 1808, quando a trisavó da princesa d. Isabel, a rainha d. Maria I (1734-1816), e seu bisavô, o então príncipe regente d. João (1767-1826), fugindo das tropas de Napoleão Bonaparte, instalaram o governo lusitano no Brasil. Segundo o chef Laurent Suaudeau, de São Paulo, um estudioso da história da gastronomia, “a origem da receita é claramente francesa”. Ele faz a afirmação apoiado na obra de Antonin Carême (1784-1833), considerado o maior cozinheiro de todos os tempos.
      A receita original da coxinha se encontra nas páginas 268, 269 e 270 do livro L’Art de la Cuisine Française au XIXº Siécle – Traité des Entrées Chaudes (Dentu, Librairie, Palais Royal, Galerie d’Orleans, Paris, 1844), com o nome de “croquette de poulet” (croquete de frango). Carême aconselha moldá-lo “em forme de poires” (no formato de peras). “Obviamente, a receita foi modificada no Brasil”, diz Laurent. “Mas, do ponto de vista técnico, é a mesma”.
      Desse modo, a coxinha chegou ao Rio de Janeiro via Lisboa, onde estreou na corte de d. Maria I (1734-1816), a rainha que lá é conhecida como “a Piedosa” e aqui, como a vimos descer demente da nau Príncipe Real, por “a Louca”. Pode ter sido introduzida em solo lusitano pelo chef de cozinha da rainha, o francês Lucas Rigaud. Ele divulgou a receita da coxinha  no livro Cozinheiro Moderno ou Nova Arte de Cozinha, lançado em Lisboa no ano de 1870 e reeditado em 1999 pela Colares Editora, de Sintra, Portugal.
      Nas páginas 107 e 108 dessa última edição, Rigaud ensina a fazer “coxas de frangas ou galinhas novas”. Manda desossar dez ou doze, conservando a pele, e rechear com um “picado fino”. Depois, mergulha-as no béchamel (molho branco) ligado com gemas. Fecha-as com barbante, passa em ovos batidos, pão ralado fino e frita em banha. Alguma dúvida? A coxinha é uma brasileira nascida na França.



O livro de Lucas Rigaud, lançado em Lisboa no ano de 1870, tinha receita de “coxas de frangas ou galinhas novas” 

      O dramaturgo e ensaísta Guilherme Figueiredo, no capítulo As aves que aqui gorjeiam, do livro Comidas, meu santo! (Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1964), já sabia disso: “Quanto à coxinha de galinha, esta sim é seguramente de origem francesa. Hoje, carioquíssima”. E completou com uma tirada  maliciosa: “A melhor é a tostada ao sol, em Copacabana”.
    Quem faz a melhor coxinha no Rio de Janeiro? A veterana Confeitaria Colombo?, que oferece a comum, a creme e a Villeroy, ou a rede Viena? E em São Paulo? O restaurante Attimo, o Bar Número, o Bar do Luiz, a churrascaria Dinho’s Place, os bares Veloso, Luiz e Frangó, as confeitarias Dulca, Di Cunto e Ofner? Ou seria a Padaria Real, de Sorocaba, a  96 quilômetros da capital, cujo salgadinho mais famoso tem crosta crocante, massa leve e recheio apenas de frango desfiado, com tempero de cheiro verde e sal? Impossível chegar a um consenso.  


 Aprenda a preparar as coxinhas comum, creme e Villeroy, da Confeitaria Colombo, no Rio de Janeiro, em RECEITAS DAS CRÔNICAS.

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