UM PRESUNTO
COMO ALÁ QUER
Por J. A. Dias Lopes
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Vetado pelas suas leis religiosas, que abominam a carne de porco, muçulmanos e
judeus sempre evitaram comer presunto, o mais nobre produto suíno. Mas parecem
ficar com água na boca. Tanto que agora se permitem saborear presunto, sem
contudo incorrer em pecado. Os espanhóis já estão fazendo para os muçulmanos
jamón de cordero (presunto de cordeiro), com aparência e características
sensoriais similares ao de porco. Um dos produtores é o tunisiano Fayçal Mrad
Dali.
Fayçal e seus presuntos
Ele instalou seu negócio nas proximidades de Huelva, na Andaluzia, a 620
quilômetros de Madri, com apoio de uma sociedade de criadores de ovinos que não
liga para as leis religiosas, quer apenas vender cordeiro. Ali funciona a
Balkis Gourmet, batizada com o nome islâmico da rainha de Sabá, que viveu no
século 10 a.C. em um reino formado pelos atuais territórios da Etiópia e do
Iêmem. Na verdade, Fayçal mira o mercado dos países muçulmanos. Só a Arábia
Saudita encomendou este ano 1 tonelada de jamón de cordero.
A rainha de Sabá
Além do mais, trata-se de presunto halal, ou seja, permitido pelas leis
islâmicas, pois o ovino foi abatido conforme os preceitos do Alcorão (o livro
sagrado dos muçulmanos), válidos também para o bovino, o caprino e o galiforme
(frango, galinha ou galo). No momento do sacrifício, o animal deve se encontrar
saudável, “inequivocamente vivo” e virado para a cidade sagrada de Meca, no sudoeste da Arábia Saudita. Quem o realiza tem de
ser muçulmano e conhecer as regras islâmicas.
O ritual transcorre com faca afiada. Corta-se o pescoço do animal antes da
traquéia, o mais rápido possível, para abreviar o sofrimento e esgotar
completamente o sangue, cujo consumo os muçulmanos abominam, pois acreditam
abrigar a alma. Antes do abate, pronuncia-se a frase: “Em nome de Alá, o mais
Bondoso, o mais Misericordioso”. Já no caso das carnes haram (proibidas pelas
leis islâmicas), sejam as de porco, cobra, cachorro, gato, tigre ou de todos os
animais carnívoros, não existe possibilidade de purificá-las.
A Balkis Gourmet processa seus cordeiros entre outubro e março, cada um com
menos de seis meses de idade e pesando no máximo 50 quilos. O presunto resulta
com cerca de três quilos de peso e sai por 100 euros a peça. A cor interna se
apresenta mais escura do que a do produto de porco. Por ter menos gordura entre
as fibras, não é tão untuoso quanto o outro. Sente-se ligeiro sabor da carne
ovina, mascarado pelo sal. Há uma versão defumada, mais deliciosa.
Embora a Balkis Gourmet se volte para os países árabes, há procura pelo seu
jamón de cordero dentro da Europa, onde se multiplica a população de fé
muçulmana. Aliás, cresce no Velho Continente o interesse por todas as carnes
que sejam halal. No Reino Unido e Irlanda, onde quase 5% da população se
declara crente em Alá, a rede americana Subway, especializada em sanduíches e
saladas, acaba de anunciar que 185 endereços seus baniram os produtos não
preparados segundo os rituais muçulmanos. “A Europa pós-cristã se submete ao
islamismo”, comentou o The
Times, de Londres.
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