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Cada vez que erguemos o copo com alguma bebida, para fazer um brinde, reforçamos velho ritual de convivência humana. Nas religiões pagãs, os fiéis faziam o mesmo em louvor das divindades. Mas só encostavam o copo nos lábios e derramavam o conteúdo na mesa ou no chão. Com o passar do tempo, porém, aboliram o desperdício. Passaram a beber a maior parte, dedicando apenas alguns goles aos deuses. Na época, brindava-se com um único copo, passado de mão em mão, um cuidado que teria a ver com a prevenção do envenenamento.
Foto Reinaldo Mandacaru
Os romanos
incorporaram a tradição dos gregos e não esconderam a influência: chamavam-na
de "beber à moda helênica". Celebravam proezas civis ou militares,
evocavam a pátria e desejavam saúde aos presentes. Quando festejavam a mulher
amada, a animação se multiplicava. Esvaziavam uma taça para cada letra do nome
dela. Marco ValerioMarziale, poeta latino de origem hispânica, nascido no ano
40 d.C., enunciou a regra: "Oito cálices à Giustina, à Levina se bebe
seis, quatro à Lida, cinco à Licia, à Ida, três."
Os primitivos
cristãos saudavam primeiro a religião, depois os mártires. Entretanto, a
exaltação foi acusada de propiciar excessos. Entre seus críticos, estava Santo
Ambrósio (340-397), arcebispo de Milão, um dos quatro maiores doutores da
Igreja Católica. Os bárbaros, apesar de combaterem usos e costumes dos povos
que dominavam, adotaram o brinde. Tomavam vinho pelos vivos e mortos, em uma
grande taça comunitária. Na Idade Média, a prática continuava desaprovada na
Itália, segundo a Cronica, do frade e historiador Salimbene de Parma
(1221-1288). Durante o Renascimento, permaneceu classificada de bárbara e,
portanto, reprovável, como documentou o religioso e literato italiano Giovanni
Della Casa (1503-1556), no tratado GalateoOverode’Costumi.
Há duas versões para
a origem da palavra brinde. Para alguns, viria da cidade italiana de Brindisi,
às margens do Adriático, na região da Puglia. Ali, depois de uma ceia que
culminava com ruidosos votos de boa sorte, os jovens aristocratas romanos
embarcavam para a Grécia, a fim de aperfeiçoar a educação. Outros sustentam que
deriva do espanhol brindis, variação do alemão bringdir’s (levo-o a você)
assimilado dos lansqueneses, soldados mercenários dos séculos 15 e 16,
originários do Sacro Império Romano. Os ingleses falam toast. Na época em que
adotaram esse nome, praticavam o ritual com um copo que passava de mão em mão.
No fundo dele havia uma toast (torrada). Cabia ao último bebedor.
Conta-se que, certa
vez, Ana Bolena (1507-1536), segunda mulher do rei Henrique VIII, da
Inglaterra, mandada decapitar pelo marido sob a acusação de adultério e
incesto, tomou banho diante dos cavaleiros da corte. Um deles ficou maravilhado
com o corpo da soberana. Pegou um copo, encheu-o com a água do banho e a bebeu,
saudando os demais. Só um cavaleiro se recusou a participar do ritual.
Interpelado, explicou porque quis ficar de fora: "Gostaria de reservar-me
o toast".
Ana Bolena
No século 19,
firmou-se o costume de brindar usando copos separados, embora casais
apaixonados até hoje se saúdem à moda antiga. A seguir, adotou-se o tintim, que
apesar de imitar o ruído produzido pelos copos, muitos sustentam ter origem na
China. Chin, naquele país, significa felicidade; chinchin, muita felicidade.
Antes ou depois de bater os copos, pronuncia-se uma palavra exaltativa. Os
brasileiros e portugueses desejam saúde.
Acontece o mesmo com os italianos
(salute), franceses (santé), espanhóis (salud), gregos (steniyasas), alemães
(prosit) e holandeses (proost). Os russos preferem dizer felicidade (zazdorov).
Curiosamente, os suecos exclamam skäl (caveira). A palavra deriva do costume
viking de beber nos crânios dos inimigos mortos, transformados em canecas. Na
hora do brinde, cada povo tem sua mania...
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