sábado, 18 de outubro de 2014

ALLA CARBONARA, O MOLHO DOS RAPAZES DO GENERAL


Por J. A. Dias Lopes


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      Os romanos acham que os americanos não têm cultura humanística e se divertem contando piadas deles ambientadas na Cidade Eterna. Dizem, por exemplo, que em junho de 1944, após invadir a capital da Itália e libertá-la da dominação nazista, o general Mark Clark (1896-1984), comandante do 5ª Exército dos Estados Unidos e das tropas aliadas na Segunda Guerra Mundial, quis conhecer os monumentos de Roma. Chamou um dos seus oficiais, que havia morado ali, e pediu para acompanhá-lo. Quando o jeep no qual estavam parou diante das ruínas do Coliseu, Clark exclamou: "Mas que belo trabalho fizeram aqui os nossos rapazes!".
      Em compensação, os rapazes do general podem ter contribuído para enriquecer a mesa da capital italiana, ajudando a criar o molho alla carbonara, hoje sucesso mundial, usado em massas como spaghetti (a melhor opção), vermicelli, bucatini e penne. Leva guanciale (bochecha de porco curada) frito na banha ou azeite, misturado com ovos batidos, creme de leite (opcional e discutível), pecorino (queijo de ovelha) romano e parmesão ralados, além de pimenta-do-reino moída.


          Foto Reinaldo Mandacaru                

      A versão mais corrente sustenta que a receita surgiu no final da Segunda Guerra Mundial. Quando os soldados americanos entraram em Roma, a cidade estava na mais completa penúria. Só a tropa de Clark dispunha de alimentos. Combinando dois ingredientes da ração militar – ovo e bacon -, incorporando-os à massa cozida al dente, um cozinheiro local criou o prato. Uma variação dessa teoria localiza o nascimento da receita em uma trattoria não identificada. Os rapazes do general entraram ali levando ovo, bacon e noodles. O cozinheiro os preparou separadamente. Fartos daqueles sabores invariáveis, os americanos misturaram tudo.
      Alguns de autores, porém, discordam da versão. Afirmam que os soldados não inventaram nada. A receita seria "evolução" de outra mais antiga, chamada cacio (queijo de cabra ou ovelha) e ova (ovo), originária da região do Lazio, onde se encontra Roma, ou da vizinha Abruzzo, que os carbinai (carvoeiros, os produtores de carvão vegetal, daí o nome do prato) levavam na marmita. Preparavam-na na véspera e a comiam fria. Durante a ocupação de Roma pelos alemães, muitas famílias da cidade foram para as montanhas de Abruzzo, nas quais teriam conhecido a receita de cacio e ova. Outra explicação para o nome alla carbonara: o hábito de acrescentar pimenta-do-reino moída, que lembra o carvão em pó.
      Segundo a Grande Enciclopedia Illustrata Della Gastronomia (Selezione dal Reader"s Digest, Milão, 2000), "os traços deste prato na cozinha romana, antes do final da Segunda Guerra Mundial, são vagos ou inexistentes e se limitam a alguns testemunhos orais, recolhidos porém em tempos recentes". Mesmo assim, alguns autores insistem na sua antiguidade, atribuindo a invenção a Ippolito Cavalcanti (1787-1859), cozinheiro e literato napolitano. Ele teria publicado uma receita semelhante no tratado Cucina Teorico Pratica, editado pela primeira vez em 1837 e acrescido, na edição de 1839, do apêndice Cusina Casarinola co la Lengua Napolitana.
      Há também autores que a associam à Carboneria, sociedade secreta e política da Itália no século 19, com um complicado simbolismo ritual, difundida em numerosos países europeus. Entre seus iniciados figuraram líderes do movimento reunificador da Itália. Não há provas, porém, de que conhecessem a receita. O diretor de cinema Luigi Magni aumentou a confusão no filme La Carbonara. Ambientou-o na velha Roma papal, colocando em cena a Corboneria e uma mulher que administra uma trattoria renomada pelo prato. Até agora, a explicação vencedora envolve os rapazes do general.


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